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domingo, 17 de maio de 2009



Cidade mineira prepara memorial para cantora Clara Nunes
Maurício Lara - Estado de Minas






Marcelo Sant'anna/EM/D.A Press
A irmã mais velha, Mariquita, cuidou da estrela e, agora, zela com muito carinho pelas boas lembranças que ela deixou
Clara Francisca Gonçalves Pinheiro, Clara Nunes, nasceu em 12 de agosto de 1942, em Caetanópolis, que, na época, se chamava Cedro e era distrito de Paraopeba. Era filha de Manuel Araújo e de Amélia Nunes Gonçalves. Órfã desde criança, foi criada pela irmã Mariquita. Antes de ser cantora, na adolescência, trabalhou dois anos como tecelã na fábrica da cidade. Muda-se para Belo Horizonte aos 16 anos, onde começou a carreira. Vai para o Rio em 1965 e logo grava o primeiro disco, cantando boleros, mas só conhece o sucesso em 1968, com o samba “Você passa e eu acho graça”, de Ataulfo Alves e Carlos Imperial. Foi casada com o compositor Paulo César Pinheiro, de quem gravou várias composições. No total, foram 16 discos. Clara morreu em 2 de abril de 1983, aos 40 anos, vítima de choque anafilático durante uma cirurgia de varizes.
Caetanópolis, cidade de 9,5 mil habitantes a 100 quilômetros de Belo Horizonte, é considerada o berço da indústria têxtil brasileira por causa da Fábrica do Cedro, fundada em 1872 e em pleno funcionamento até hoje. O lugar se chamava Cedro e foi distrito de Paraopeba até a emancipação, em 1954. Fica na Região Central de Minas, às margens da BR 040, que liga BH a Brasília.
Caetanópolis
Tudo que é necessário para formar um belo memorial está bem ao alcance da mão, na terra natal de Clara Nunes, a 100 quilômetros de Belo Horizonte, sob os cuidados da irmã, Maria Gonçalves da Silva, a Mariquita. O lugar para o memorial também está definido, num terreno bem ao lado da Creche Clara Nunes, que abriga 45 crianças. “Tenho idéia de erguê-lo ao lado da creche. Os meninos vão dar vida ao lugar.”
Mariquita organizou tudo como pôde. Estão lá 140 peças de roupas, quase todas brancas, fotos, vídeos, correspondência, publicações, objetos pessoais, braceletes, colares e o acervo barroco, formado por peças com as quais Clara decorava sua casa. Há também uma radiola ABC (toca discos), de uso pessoal da cantora. Um conjunto precioso, guardado com cuidado, mas em lugar inadequado para a visitação. “É complicado cuidar do acervo, porque a família não foi herdeira dela. Somos modestos e lutamos com dificuldade para mantê-lo”, diz Mariquita. Uma recente parceria com a Universidade Federal de São João del-Rei (UFSJ) está permitindo a catalogação do material e a digitalização de fotos, vídeos, publicações e documentos.
Agora, Mariquita guarda o acervo artístico e histórico, mas os cuidados dela com a caçula da família começaram muito antes. Clara perdeu o pai com menos de 2 anos e a mãe, aos 4. Foi a irmã, que Clara chamava de Dindinha, quem a criou. “Lá no Rio de Janeiro, ninguém me conhece por Mariquita, mas por Dindinha”, conta a madrinha, orgulhosa.
O trabalho da irmã mais velha para preservar a memória da cantora era solitário até poucos anos. A atual administração municipal instalou a Casa de Cultura Clara Nunes e criou o Festival Cultural Clara Nunes, que teve este ano sua terceira edição. “Isso mexeu com a cidade. Precisou passar um tempo para Caetanópolis acordar”, avalia Mariquita.
Mexeu mesmo. A secretária municipal de Cultura, Adriana Ribeiro Caetano de Andrade, observa uma retomada de interesse da comunidade pela trajetória da conterrânea: “A gente está vendo um tanto de garotas e garotos interessados”. Durante o festival, além das atrações musicais, há parceria com as escolas para serem trabalhadas seis etapas da vida de Clara Nunes: infância, adolescência, mudança para a capital, sucesso, discografia e a morte prematura.
“O objetivo é não deixar o mito Clara Nunes se perder. Queremos que a memória seja reativada, principalmente entre os mais jovens, que não a conheceram”, explica Adriana Andrade. O Centro Cultural está instalado no prédio em que funcionava o cinema, primeiro palco em que a cantora se apresentou, ainda criança. Outro avanço foi a retomada e o tombamento, pela prefeitura, da casa em que Clara Nunes nasceu, em frente do hospital municipal. Depois de reformado, o imóvel deverá abrigar um projeto de apoio às crianças.
Mesmo quando estava no auge do sucesso, Clara nunca deixou de visitar a família e os conterrâneos. Sempre passava o Natal na casa de Mariquita e, no último deles, poucos meses antes da morte, revelou o desejo de abrir uma creche. “Ela tinha muita frustração por não ter tido filhos. Resolvemos fazer a creche para homenageá-la”, lembra a irmã mais velha. “Essa creche a irmã fez por vontade dela. A gente fica agradecida e tem muito orgulho por ela ter nascido aqui”, testemunha Raquel Mariz Inocente, que tem um filho de 5 anos na instituição.
A funcionária pública Miriam Aparecida Aguiar Bravo, de 40, conta que Clara era amiga de infância da mãe dela. “Eu era pequena, mas a gente ia vê-la. Lembro-me de que ela era muito vaidosa e carismática. Eu a via como uma pessoa importante e ficava impressionada”, lembra. O momento atual, de maior culto à memória de Clara Nunes, alegra a conterrânea, que diz guardar “ótimas recordações” das visitas da cantora à cidade: “Uma pessoa tão famosa, que recebia a gente com carinho”.
Psicografia
Mariquita lamenta que a conscientização sobre a importância da irmã para Caetanópolis tenha demorado. “A cidade em que a gente nasce nos vê como uma pessoa comum. Precisou passar um tempo para que acordasse”, diz, reconhecendo que a situação está mudando. “O acervo não é meu. Se a cidade abraçar o projeto, ele vai pertencer a Caetanópolis”, anuncia a Dindinha de Clara Nunes.
Nenhuma temporada de Clara Nunes terminava sem que Mariquita assistisse a pelo menos um show. No último, intitulado Clara Mestiça, no teatro que tinha o nome da cantora, ela ralhou com a irmã mais nova dizendo que estava com dó dela por causa do esforço, e que não era necessário “se matar” daquele jeito no palco. A reação foi vigorosa: “Não gostei quando você falou que estava com dó de mim porque eu estava suando muito. Ponha na sua cabeça que eu vim a este mundo para cantar”. Mariquita lembra da fala de Clara e também que ela cantava desde os 4 anos.
Logo depois da morte de Clara, a irmã, que é espírita, procurou o médium Chico Xavier, que psicografou a seguinte mensagem: “A cigarra, às vezes, canta com tanta persistência em favor de Deus e da natureza que se perde das cordas que lhe coordenam a cantiga, caindo ao chão desencantada. E o meu coração da vida física não suportou a extensão das melodias que me faziam viver”.
A mensagem, conta Mariquita, foi muito gratificante e trouxe alívio. “Clara não cantava para ganhar dinheiro. Amou a música mais que tudo, como amou a vida.” É por isso que, no entendimento de Mariquita, sua missão com a irmã ainda não terminou. “Minha missão com ela vai mais longe ainda. Temos que fazer o memorial”, avisa.

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